sexta-feira, 24 de abril de 2015

Actas de Marusia (Las Actas de Marusia) 1976


Depois de uma revolta mineira em Marusia (Chile, 1907), e a descoberta do corpo de um capataz da mina britânica Marusia Mining Co. - assassinado por um trabalhador - começa um confronto entre empregadores e trabalhadores, e é desencadeada uma campanha de intimidação contra os mineiros, que defendem os seus direitos. Dada a força do movimento a empresa pediu ao exército para intervir, que começa a fazer uma perseguição implacável aos trabalhadores, que servirá de exemplo para todos os movimentos da classe operária. Embora a repressão faça enfraquecer o movimento, um dos líderes encarrega-se de difundir a revolta para outros sectores.
Depois do golpe de estado de Pinochet (Chile, 1973), o chileno Miguel Littin refugiou-se no México. Aí dirigiu em 1975 esta monumental obra, a partir de um romance homónimo de Patricio Manns. O filme dá-nos conta de uma rebelião de trabalhadores no norte do Chile, e a sua repressão brutal. É um filme visto como parte do debate sobre o fracasso da Unidad Popular, e é uma interpretação do movimento trabalhador e popular do século XX chileno. Filmado no deserto de Chihuahua, esta obra contou com um orçamento bastante elevado, que incluía actores de peso como o italiano Gian Maria Volonté, ele próprio já habituado a filmes de teor político, no seu país de origem. A banda sonora era de Mikis Theodorakis e Ángel Parra, tornando-se o filme um grande êxito de bilheteira. A nível de festivais, fez parte da seleção oficial de Cannes, em 1976, tendo também sido nomeado para o Óscar de melhor filme em lingua estrangeira, nesse mesmo ano.
Miguel Littin, no final da década de sessenta fazia parte de um movimento conhecido como "Nuevo Cine Chileno", de onde faziam parte nomes como Raul Ruiz, Helvio Soto e Aldo Francia. Os filmes deste grupo de realizadores vinculavam denuncias sociais, e temas políticos.

E agora a visão sobre este filme, do Bruno - convidado do M2TM:


A realidade é dura de aceitar. Todos nós, cada um a seu grau, ao invés de aceitar a realidade como ela realmente é, preferimos ceder à tentação de desenvolver um enredo teórico da "realidade" que se adapte aos nossos desejos. Há sempre uma distância entre como analisamos e compreendemos o Mundo, e como ele é de facto. O desafio de minimizar esta distância é sempre um exercício de transformação pessoal, frequentemente doloroso, mas fundamental. Cada um de nós tem o dever de enfrentar a realidade, desafiar-se, e aprender. Só se tomando conhecimento do Mundo como ele é, através das leis naturais, matemáticas e sociais, que conseguimos transformá-lo.

A dificuldade de aceitar a realidade concreta é natural e frequente. Todos nós já viramos a cara para o lado, ou mudamos de canal, perante imagens televisivas que demonstram a violência extrema de uma guerra. Uma criança desventrada nos braços de uma mãe que chora, num bairro residencial semelhante aos nossos, mas totalmente destruído à bomba, não é o mesmo que ver gatinhos no youtube. É mais fácil ignorar, por exemplo, a brutalidade dos bombardeamentos dos países da NATO (OTAN) à Síria, Líbia, Iraque... (fico-me por aqui), do que preocuparmo-nos seriamente com o assunto e vermo-nos obrigados a tomar posição e a agir. O mesmo acontece quando é algo que nos afecta mais directamente. Os gatinhos são mais fofinhos.

A narrativa propagandeada pelos média, durante todos estes anos, não está conforme com a verdade e nós, os «ocidentais», afinal não temos sido os «bons» da história. Os recursos de África têm sido desde há muito saqueados pelos europeus, os recursos da América latina saqueados sobretudo pelos EUA, e isto tem sido feito à base da violência extrema, seja através de terrorismo de estado, inclusivamente por governos locais lacaios, quer por acções militares – lembram a Operação Condor? Os massacres foram e são frequentes.

Por que haveria de ser diferente hoje? Afinal, o capitalismo continua a ser capitalismo. E o imperialismo a ser imperialismo. Pode os ideólogos da burguesia desenvolver e propagandear uma narrativa convincente para justificar todas as invasões e golpes económicos e de Estado por esse mundo fora por parte dos países norte-atlânticos, mas sabemos que a razão está na conquista de novos mercados e recursos. Qual é a admiração de os povos precisarem de pegar em armas para se defender?

Lembremos um dos primeiros grandes ensinamentos da história: a Comuna de Paris, 1871 – o primeiro governo operário da história!

Em 1870 o regime burguês francês envolve-se numa guerra desastrosa com a Alemanha. Com o Exército Alemão às portas de Paris os operários da Cidade armam-se para a defender. O Governo Burguês capitula e assina um armistício com a Alemanha. A tentativa de desarmar os operários parisienses precipita a insurreição. A 26 de Março é eleito o Conselho da Comuna. As transformações políticas e sociais ocorridas na Comuna vão longe demais, são demasiado progressistas para a burguesia francesa. O movimento alastra a outras Cidades, embora a grande massa camponesa se tenha mantido apática. Foi então a burguesia francesa, para esmagar o movimento proletário, não hesitou em estabelecer um acordo com o exército alemão que acabara de arruinar a sua pátria. O Exército Francês e Alemão entram em Paris a 21 de Maio. A resistência dos comunards é heróica, mas são esmagados: cerca de 35.000 mortos e 7.500 deportados. Termina assim, afogado em sangue, o primeiro ensaio de um poder político dos trabalhadores. A burguesia europeia aplaude a carnificina, e Thiers - o líder da burguesia francesa - proclama: "Agora o comunismo está morto para sempre!".

Não vou falar das Grandes Guerras, e que se viram trabalhadores a lutarem contra outros trabalhadores pelos anseios das burguesias de vários pólos imperialistas pela disputa de mercados e recursos do planeta. Não vou falar dos povos do Iraque, Líbia e Síria, nem do Afeganistão. Muito menos dos palestinianos. Ou de outros frequentemente dados como terroristas pela narrativa dos média corporativos, como o povo que luta da Colômbia, do Curdistão, da Republica Popular de Donetsk, da Irlanda, do País Basco, do México… da Somália ou do Sahara Ocidental... Pequenas e grandes lutas, armadas ou não, às vezes somente com pedras contra canhões.

Este filme faz que pensar sobre estas questões. Soubesse o povo de Marusia compreender os ensinamentos da Comuna de Paris, e de muitos outros exemplos, talvez se tivesse preparado melhor e elevado a sua luta a outros patamares. A dura realidade é que classes antagónicas não se conseguem reconciliar, apesar das aparências e de todos gostarmos de gatinhos, é fundamental compreender que a luta será mais ou menos violenta conforme a resistência dos capitalistas. São estes que querem que a história pare, os proletários têm uma nova sociedade nas mãos para construir.

Actas de Marusia é um grandioso filme com uma história baseado em factos verídicos, mas com uma liberdade artística que nos oferece uma beleza rara e peculiar para um filme tão duro. Poesia em estado cinematográfico. Comovente. Para mim, é umas das grades pérolas deste Ciclo do M2TM.
por Bruno - Leitura Capital*

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1 comentário:

celsolungaretti disse...

O Chico se mostra surpreso com o linchamento legalizado que Sacco e Vanzetti sofreram em tempos já distantes nos EUA.

Chocante mesmo é que algo bem parecido quase aconteceu no século atual, quando o escritor Cesare Battisti esteve seriamente ameaçado de extradição para a Itália, onde teria de cumprir pena de prisão perpétua em função de um julgamento de cartas marcadas que teve lugar no período de histeria contra os "ultras" subsequente ao assassinato de Aldo Moro.

Berlusconi queria a cabeça de Battisti para exibir como troféu e tudo fez para que a França revogasse a solene garantia de Mitterrand, que prometeu a liberdade aos fugitivos italianos que se comprometessem a não mais atuarem politicamente; depois, com a fuga de Battisti para a América do Sul, para que o Brasil o extraditasse, jogando no lixo sua tradição de abrigar perseguidos de todos os países.

Apesar das fortes pressões italianas e de a grande imprensa brasileira ter sido de parcialidade extrema, alguns veteranos homens de esquerda (entre os quais me incluo, pois era uma espécie de porta-voz informal do comitê de solidariedade, tendo redigido cerca de 250 diferentes textos que foram utilizados na batalhão de opinião) conseguimos sensibilizar os internautas e, a partir deles, influir sobre o poder, acabando por vencer o duelo de Davi contra Golias: depois de quatro tensas sessões de julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu autorizar a extradição por 5x4 mas, pelo mesmo placar, reconheceu que a última palavra deveria ser dada pelo chefe do governo.

O presidente Lula negou a extradição, mas os ministros alinhados com a posição italiana (os quais, ao longo de toda a tramitação do caso, alternaram-se nos papéis de presidente da Corte e relator do processo, atuando mais como lobbistas do que como juristas) ainda mantiveram Battisti preso por mais 5 meses, na esperança de derrubarem a decisão presidencial.

Foram derrotados por 6x3 e o STF mandou libertarem Battisti em junho de 2011, depois de 50 meses de prisão sem ter cometido crime em terras brasileiras.

Enfim, os pontos de contato entre os casos Sacco & Vanzetti e Battisti foram muitos, mas, felizmente, conseguimos mudar o desfecho.